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POLÍCIA

Sem limites: bandidos agora filmam execuções

Proibido pela Constituição Federal de 1988, o tribunal de exceção é uma realidade no submundo do tráfico no Brasil. Criminosos acima da lei prendem, interrogam, julgam e condenam à morte e com um atrativo macabro: filmam com telefones celulares os atos e

Proibido pela Constituição Federal de 1988, o tribunal de exceção é uma realidade no submundo do tráfico no Brasil. Criminosos acima da lei prendem, interrogam, julgam e condenam à morte e com um atrativo macabro: filmam com telefones celulares os atos e ainda os divulgam em redes sociais. De acordo com o artigo 5º, inciso XXXVII, da Constituição Federal, “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. No entanto, esse dispositivo constitucional está entre os que acabam sendo rasgados pelos criminosos e colocam em xeque a ordem judiciária do Brasil.

Há pouco mais de 2 meses, em 15 de julho, um crime com esse perfil chocou a opinião pública e ganhou o Brasil e o mundo através das redes sociais. Um vídeo viralizou com imagens de um assassinato nas matas do parque do Utinga, bairro das Águas Lindas, em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém. As cenas são de uma crueldade ímpar e não recomendáveis para pessoas mais sensíveis: vários homens, após interrogarem Mayara da Silva Martins, de 19 anos, a condenam à “pena de morte”. O vídeo, de pouco mais de 2 minutos, revela a audácia dos criminosos e a quase certeza da impunidade.

A moça é mostrada já ensanguentada, revelando que estava sendo torturada para obtenção de nomes de supostos desafetos do grupo. Na sequência, um homem a interroga apontando para a cabeça da vítima uma arma de fogo. É possível ouvir pelo menos 3 vozes diferentes no local do crime. Após obter os nomes que desejava, o homem que comanda a tortura dá ordens para que os parceiros se afastem e, mesmo com Mayara implorando pela vida, eles dispararam uma sequência de tiros.

Um segundo homem, possivelmente com uma pistola automática, completa o assassinato. A vítima aparece em seguida já inerte no meio da mata. Dois dias depois, para “ostentar” o homicídio, os bandidos postaram o vídeo em uma rede social, com a prova do “tribunal de exceção”.

MEGA DIVULGAÇÃO

Esse não foi o primeiro caso de “tribunal de exceção” no Pará. Em março de 2014, as redes sociais se agitaram e divulgaram, à exaustão, cenas gravadas por celulares dentro do Presídio Estadual Metropolitano I (PEM I), em Marituba, onde o detento Dirceu Pimentel Brasil, de 33 anos, aparece sendo morto com várias estocadas. O vídeo, além da violência e sangue frio dos criminosos e registradores, revelou mais uma vez a fragilidade do sistema prisional do Pará. Dirceu foi assassinado com vários golpes, sob as vistas de 3 outros presidiários, que documentaram toda a cena chocante e com celulares.

Dirceu Brasil, 33 anos, teve sua morte filmada dentro do PEM I (Foto: reprodução)

Após a execução, o vídeo foi difundido nas redes sociais, de dentro da cadeia. No áudio, fica perceptível a preocupação dos criminosos com a qualidade do vídeo: “Peraí que eu vou ligar o flash”, diz um dos presos, referindo-se ao flash do aparelho celular que ilumina o “documentário” macabro.

O vídeo, de pouco mais de 3 minutos, revela que a ordem para matar Dirceu Pimentel Brasil partiu de fora da cadeia. Um dos assassinos, no fim da filmagem, diz: “Bota o cara na linha. Liga naquele número”, o que se supõe que seria para avisar ao mandante que o crime estava consumado.

Outro caso também chocou a sociedade paraense. Pedro Victor Marin, 20, foi morto a tiros no bairro da Cabanagem no dia 27 de outubro de 2015 e, horas depois, circulou nas redes sociais o vídeo da vítima e áudios onde os criminosos comunicam a amigos e familiares a morte do rapaz.

Os assassinos utilizaram câmeras de celular para interrogar, julgar e sentenciar à morte o rapaz. Durante as primeiras investigações, testemunhas citaram o nome de um homem autor do crime e que teria obrigado a vítima a direcionar a autoria ao nome de um rival no tráfico de drogas, na tentativa de ficar impune. Policiais civis da Divisão de Homicídios trabalharam muito no caso e, 2 meses depois, em dezembro de 2015, prenderam Yago Wendel Neves, de 22 anos, suspeito de ser um dos responsáveis pelo crime.

Ousadia e violência são as marcas registradas de quem executa as vítimas

Seguindo o rastro de requintes de crueldade dos “tribunais do tráfico” de grandes centros como Rio e São Paulo, os imitadores no Pará se destacam pela ousadia e violência com que concebem e executam suas punições, deixando as autoridades do Sistema de Segurança Pública do Estado em alerta. Diariamente, em média, 12 pessoas são assassinadas no Pará e, pelos levantamentos feitos pelo DIÁRIO, 60% têm relação com drogas, rivalidade entre traficantes ou briga de poder sobre uma comunidade. Nesses casos, a sentença de morte virou pena comum nos julgamentos à revelia do Estado.

A morte é o recado do tribunal do tráfico para quem desafia suas pseudolideranças. Elas se formam nas áreas mais carentes, aonde serviços básicos como saúde, educação e saneamento não chegam e a presença da polícia é mínima. O tráfico de drogas e os crimes em geral servem para mostrar autoridade de uma liderança do tráfico e impor o medo a quem ousa desafiar suas regras. Os atos de perversidade dos tribunais do tráfico no Pará não se limitam às vítimas. Familiares delas, com medo, acabam mudando para outra cidade. Possíveis testemunhas, se identificadas, podem também ser mortas e quem mata abusa da ousadia e da crueldade, dando um recado claro, que diz mais ou menos: “Nesta seara, o crime compensa”.

Para entendermos as organizações criminosas do tribunal do crime, é necessário entender a história, as relações materiais e imaginárias, que estruturam a sociedade e a forma como se inserem na formação dessas organizações que surgiram nesta década no Pará. Tudo começou com o temido Primeiro Comando da Capital (PCC), com atuação no eixo Rio-São Paulo. Um sistema de crime organizado que criou um poder paralelo com grupos de extermínios como forma de punição mortal, fundamentado no extermínio planejado de suas vítimas.

Nesse contexto se destacam as torturas, espancamentos e outras formas bárbaras de violência, antes das execuções, fornecendo um recado ameaçador para quem desafiar o poder paralelo do crime organizado. O PCC se expandiu, atravessou fronteiras e se instalou nas principais cadeias do país. Como tudo que é errado se copia, os traficantes do Pará passaram a utilizar o tribunal do tráfico para punir seus desafetos. E as filmagens dos homicídios representam provas de que a sentença foi executada.

Autores dos crimes têm desvio de personalidade, diz psicólogo

Satisfazer a vaidade dos acusados do crime, além de evidenciar que eles supostamente dominam determinada situação, é apenas um dos objetivos que os autores do delito têm ao espalhar pela rede mundial de computadores. É o que observa o psicólogo Paulo Monteiro, que fez uma análise dos vídeos abordados pelo DIÁRIO, nessa edição especial de domingo (25). De início, o psicólogo ressaltou que o perfil dos autores não apresenta uma doença mental, e sim um indício forte de desvio de personalidade. “Um desvio que deve ser observado pelas autoridades jurídicas e médico-legais”, frisou.

Em todos os vídeos, os autores ou então protagonistas das cenas sanguinárias se apresentam em uma condição detentora de poder, na qual nas mãos deles está um suposto controle da situação, a força bruta, talvez. “Mostrar isso é que demonstra que estes agressores querem satisfazer a sua necessidade de autoafirmação no meio deles”, pontuou o psicólogo.

Isso, segundo Paulo explicou, também está relacionado à implantação de uma espécie de cultura de medo, na qual os bandidos tentam intimidar a vítima que aparece no vídeo e outras possíveis vítimas que irão assistir a gravação, o que também acaba contribuindo para que outras pessoas, que nada têm a ver com o crime, também passem a ter medo. “Esse talvez seja o maior impacto para quem assiste a estes vídeos”, ressaltou.

“Inevitavelmente, ao assistirmos esses vídeos violentos, nos colocamos no lugar da vítima, fazendo com que se instale uma contingência tenebrosa na qual somos reféns do medo que é gerado através disso”, comentou. “A partir daí, pessoas podem tender a generalizar acreditando que nenhum lugar é seguro para elas”, acrescentou o psicólogo, ao observar a atmosfera que tais imagens deixam entre os expectadores. A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) foi procurada para comentar o assunto, mas até o fechamento dessa edição não se pronunciou.

(JR Avelar e Denilson D'Almeida/Diário do Pará)

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