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A vida na boleia de um caminhão

Apenas 11 dias foram necessários para abalar a organização de vários setores econômicos em todo o Brasil. Desde que decidiram entrar em greve para cobrar, sobretudo, a redução do preço do combustível, os caminhoneiros conseguiram concentrar a atenção para

Apenas 11 dias foram necessários para abalar a organização de vários setores econômicos em todo o Brasil. Desde que decidiram entrar em greve para cobrar, sobretudo, a redução do preço do combustível, os caminhoneiros conseguiram concentrar a atenção para a função que é fundamental em um país que depende tanto da via rodoviária.

Com uma rotina que chega a demandar dois meses seguidos nas estradas, os caminhoneiros são trabalhadores que enfrentam um cotidiano árduo para fazer chegar os insumos às cidades. É no pequeno compartimento instalado na lateral do caminhão que a família do caminhoneiro Márcio dos Santos, 44 anos, carrega tudo o que precisa para se sentir em casa em cada estrada do Brasil.

Márcio começou a atuar como caminhoneiro há 20 anos e, desde o início, sempre seguiu viagem acompanhado pela esposa Maria Soraia, 54. Enquanto os ânimos ainda seguiam exaltados (em decorrência da greve) na beira da rodovia BR-316, em Benevides, o casal mantinha o caminhão estacionado no pátio de um posto de combustível – à espera de uma resolução satisfatória para a mobilização.

Por volta das 12h, Maria Soraia se encarregava de garantir o almoço da família. Do fogareiro de duas bocas apoiado no pequeno compartimento da lateral do caminhão, sairia uma almoço completo: arroz, feijão, macarrão e carne. “Eu não sinto falta de nada. Todo lugar que a gente para é como se fosse a minha casa”.

A família é natural da Bahia, mas passa a maior parte do ano nas estradas do Brasil. Para ir a Belém com carregamento e depois voltar ao Nordeste, Márcio leva 10 dias, com paradas apenas à noite para a família descansar. “É difícil, muito cansativo, mas eu gosto do meu trabalho”, avaliou.

SAUDADE

Como é autônomo, Márcio normalmente pega um carregamento (a carga varia segundo a demanda) na Bahia e leva para diferentes destinos como Belém e Fortaleza. Ao descarregar o frete, o caminhoneiro já pega outro carregamento e segue para outros Estados, rumo à Bahia. Quando chegam ao local de origem, eles têm poucos dias para matar a saudade da filha que mora lá.

Já o filho, de 19 anos, segue com os pais no caminhão quando não está estudando. “A filha fica na Bahia porque trabalha lá. O menino, quando não está estudando, vem com a gente. É uma companhia”, conta o caminhoneiro.

Entre os desafios enfrentados ao dormir e se alimentar nas estradas, Márcio destaca a falta de segurança. Em cada Estado há um trecho considerado mais perigoso. Por causa disso, a família prefere sempre parar à noite. Entre idas e vindas dos pátios de postos de combustíveis, amizades vão sendo costuradas pelo interior do Brasil.

“Minhas irmãs perguntam por que eu não fico na minha casa, mas eu respondo que viajando eu vou conhecendo o pessoal, fazendo amizades em cada canto que a gente para”, conta Maria Soraia.

GREVE

A greve dos caminhoneiros iniciou no dia 21 de maio motivada por aumentos sucessivos no preço do óleo diesel. Ao longo da mobilização, que durou 11 dias, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) chegou a registrar 616 pontos de aglomeração de caminhoneiros em estradas por todo o Brasil. Como efeito dos bloqueios, houve desabastecimento em postos de combustíveis e de produtos hortifrutigranjeiros em supermercados, suspensão de aulas em universidades de algumas cidades e até cancelamento de voos.

Para que as cidades sejam abastecidas

Para André Luiz, 52 anos de idade e 22 de caminhão, os caminhoneiros ainda são pouco respeitados. Ele aponta que estes profissionais doam não apenas sua força de trabalho, mas boa parte de suas vidas para que as cidades sejam abastecidas. “A gente passa 60 dias seguidos fora de casa e apenas quatro com a família. A gente não vê formatura de filho, nossos familiares morrem e a gente nem consegue se despedir”, exemplifica, ao lembrar do falecimento do pai durante o período em que ele próprio estava com um carregamento à caminho do Nordeste do país. André é natural de Santa Catarina.

Na região Sul do país, o que mais lhe faz falta é a presença da mãe, já com 82 anos, e do filho de 30 anos. Apesar da saudade e das dificuldades, foi a profissão de caminhoneiro que garantiu e garante até hoje o sustento da família. “Quem mora na cidade, na maioria das vezes, não valoriza o nosso trabalho”, diz. “Acham que os produtos brotam nas prateleiras, mas tem muita gente por trás trabalhando duro para que eles cheguem até a cidade”.

Comida é preparada no próprio caminhão

Márcio é caminhoneiro há 15 anos e faz questão de levar tudo o que precisa para se alimentar (Foto: Maycon Nunes)

A experiência de ter a família como companhia durante as viagens não chegou a ser vivenciada por Márcio Barreto, 35 anos. Há 15 anos na função de caminhoneiro, ele sempre seguiu viagem pelo Brasil sozinho - ou na companhia de Deus, como faz questão de ressalvar-.

Quando a saudade aperta, o jeito é contar com as fotos da família salvas no celular. “Às vezes a gente passa 30 dias, até 60 dias na estrada. Quando a gente chega em casa passa no máximo quatro dias e já tem que voltar”.

É no Estado do Maranhão que Márcio consegue esses poucos dias para conviver com a família. De todos, a falta da mãe, da esposa e da filha de apenas seis anos é a que mais aperta. O caminhoneiro conta que chega a se surpreender com o desenvolvimento da menina. “Quando a gente sai eles estão de um jeito e quando volta, já está de outro. As crianças crescem rápido”.

EXPERIÊNCIA

Também num compartimento lateral do caminhão, Márcio preparava o almoço: arroz de carreteiro, feijão e bife acebolado. Ele conta que a organização para manter o abastecimento em dia é fruto das experiências já vivenciadas nas estradas. “Tem que levar tudo o que precisa porque muitas vezes você não acha nada para comprar”, recomenda. “Eu já passei fome na Transamazônica tendo dinheiro no bolso. Não tinha nenhum lugar aberto para comprar comida. Desde esse dia eu não viajo sem o que eu preciso para fazer a minha própria comida”.

A falta de estrutura não é o único problema. Como muitos dos outros caminhoneiros, Márcio também cita de imediato a violência como um desafio. “Tem muito assalto nas estradas e rodovias. Eu, graças a Deus, nunca fui assaltado, mas a gente vê muitos colegas que já foram”.

(Cintia Magno/Diário do Pará)

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