Nos anos 1960, os Estados Unidos estavam pegando fogo. Literalmente. Conflitos raciais, luta pelos direitos civis e igualdade social, além das picuinhas da Guerra Fria. No meio de tudo isso, o surgimento do feminismo, numa época em que a expressão “empoderamento da mulher” parecia utopia. Filha de um pastor próximo do líder Martin Luther King, a artista, nascida em Memphis, Tennessee, destacou-se pela apelo político.

Engajamento político presente, de várias maneiras, em dois clássicos gravados por Aretha Franklin,, morta nesta quinta-feira (16/8): I Never Loved a Man The Way I Love You (1967) e Lady Soul (1968). Simbólicos na carreira da cantora, os dois registros, gravados na Atlantic, destacam-se por serem responsáveis em transformá-la na grande Rainha do Soul. A jornada ao trono seria tortuosa, após anos, negligenciada na gravadora Columbia, que a queria como cantora de pops insossos.

“Quando fui para a Atlantic, pude fazer as coisas do meu jeito e os sucessos vieram…”, diria ela numa entrevista de 1989.

Notável cantora no coral da igreja onde participava de cultos cheios de suingue e muita alegria na alma/soul, a trajetória de Aretha Franklin tem como espinha dorsal o gospel, que ela migrou com muita personalidade para gêneros como jazz, blues e pop-rock. Basta ouvir suas interpretações e deixar o sentimento fluir. Seja em faixas clássicas como o efervescente hit Respect à melancolia sincera e pungente de Drow in My Own Tears.

Confira 10 clássicos de Aretha Franklin:

1. There Is a Fountain Filled With Blood
Clássico hino religioso do século 18, foi uma das primeiras canções gravadas pela artista. Mandando ver no piano, a cantora, com sua potente voz cheia de matizes angelicais, entoa uma apaixonante pregação cheia de fé capaz de fazer arrepiar o mais incautos dos ateus.

2. Respect
Esse hino feminista foi impactante não apenas na carreira da artista, mas na história do R&B. Vale lembrar que a letra original de Otis Redding contava a história de um sujeito desesperado por uma garota. Aretha escreveu novos arranjos vocais, transformando-a numa declaração universal em favor das mulheres. “Tudo o que eu estou pedindo é um pouco de respeito quando você vier para casa”, dava o recado. Quer mais?

3. I Say a Little Prayer
Foi o último sucesso dos nove que emplacou após revitalização da carreira com a ida para a Atlantic. A música já havia sido um sucesso na voz de Dionne Warwick, mas a faixa ganharia um tempero soul que fez a cabeça do compositor Burt Bacharach pirar. “Ela mudou um pouco a melodia, algumas outras coisas e eu pensei: ‘Hmmmm”, lembraria ele anos depois. ‘Mas quando me acostumei a isso – e ela é incrível – fiquei contente”, admitiu. Nascia um clássico.

4. (You Make Me Feel Like) A Natural Woman
Composição da poderosa dupla Carole King e Gerry Goffin gravada por Aretha Franklin em setembro de 1967, talvez seja o maior sucesso da artista. A canção, que já embalou Gene Hackman e Al Pacino no filme O Espantalho (1973), nasceu de uma sugestão do produtor de Aretha, Jerry Wexler. Interpretada de forma mágica em 2015 pela diva no Keneddy Center Honors, a faixa fez o presidente Barack Obama chorar. Se você assistir ao vídeo e não derramar lágrimas, tem coração de pedra, alma desbotada.

5. Do Right Woman, Do Right Man
Regravada por astros como Joan Baez, Etta James e os rebeldes junkies do The Flying Burrito Brothers, a música é outro hit na carreira da artista. Entrou fácil na lista das 500 maiores canções de todos dos tempos da revista Rolling Stone.

6. Good To Me As I Am To You
Eis uma faixa que mostra a versatilidade da artista em salpicar com pegada gospel outros gêneros da música, no caso, o pop-rock que se fazia no anos 1960. Eric Clapton, então às voltas com o grupo psicodélico Cream, foi intimado a tocar nesse blues sentimental. E quem iria negar um pedido da rainha do Soul.

7. Chain of Fools
Faixa de abertura e um dos maiores sucessos do disco, “Lady Soul” (1968), então escrita por Don Covay, outrora cantor gospel que teve canções gravadas por Otis Redding e Stones, é uma alfinetada vibrante no machismo vigente da sociedade da época.

8. I Never Loved a Man (The Way I Love You)
Faixa-título do primeiro disco da cantora gravada pela Atlantic, gravadora que daria novo rumo na carreira da artista nos anos 1960, essa baladona cheia de sentimento mostra quem, de fato, está no comando numa relação.

9. Dr. Feelgood (Love is a Serious Business)
Pianista de muita técnica e sensibilidade, Aretha Franklin, que além de interprete sensacional também se arriscava como compositora, aqui dá seu recado na luta aos direitos civis da mulher. É uma das quatro faixas que escreveu em parceria para o disco I Never Loved a Man (The Way I Love You).

10. Think
Composição da cantora gravada em 1968 no álbum Aretha Now, traz discurso antenado, de forma visceral, com a luta pelos direitos civis das mulheres da década de 1960. Em 1980, fez parte da trilha sonora do sucesso Os Irmãos Cara-de-Pau, com participação poderosa de Aretha Franklin. É só conferir…

Fonte: Metropoles