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MÚSICA

Francês Jean-Paul Delfino trata da exclusão de mulheres e gays em novo livro sobre a Bossa

O escritor e jornalista francês Jean-Paul Delfino já morou no Brasil e há 32 anos pesquisa a música brasileira, especialmente a Bossa Nova, que ele tratou em vários livros. No ano passado ele esteve em Belém para divulgar suas publicações e voltou à cidad

O escritor e jornalista francês Jean-Paul Delfino já morou no Brasil e há 32 anos pesquisa a música brasileira, especialmente a Bossa Nova, que ele tratou em vários livros. No ano passado ele esteve em Belém para divulgar suas publicações e voltou à cidade na última semana, estendendo sua passagem pela América do Sul como convidado da feira do livro de Caiena, na Guiana Francesa, Delfino participou de um bate-papo com o escritor Edyr Augusto e ministrou uma oficina de escrita promovida pela Aliança Francesa.

Durante a passagem por aqui, aproveitou para falar ao Você sobre seu novo livro, “Bossa Nova - A Grande Aventura do Brasil”, que chegará em 2018. E revela que escolheu a capital paraense para lançá-lo, antes mesmo de levar o título ao Rio de Janeiro - onde o gênero musical nasceu, em 1958, com o sucesso da música “Chega de Saudade”, de João Gilberto. Mas desta fez, Delfino resolveu ir além das questões estéticas e da inventividade musical, investigando nomes que ficaram de fora do movimento e vaticina: a Bossa Nova é racista e machista.

Você veio à Belém participar de um bate-papo e ministrar uma oficina sobre escrita. Qual sua principal orientação a respeito desse tema, escrever?

Uma regra só: liberdade. Não sou professor, nem de francês, nem da universidade. Mas quando falo sobre isso, digo que é preciso fazer uma descoberta sobre o que estudantes têm dentro da cabeça, da barriga, mesmo se escreverem coisas erradas. O que me interessa é que descubram o que tenham de interessante, no sentido de tentar fazer nascer a vontade de escrever. Escrever é liberdade e no nosso mundo falta muita liberdade. Acredito que todo mundo pode escrever e que todos temos histórias interessantes. A vida é apaixonante, mas pouco a pouco estamos ficando cegos. E a escrita permite abrir portas.

E como falar sobre liberdade e escrita no Brasil, já que o nosso sistema de educação não considera o indivíduo enquanto sujeito, o que afeta a nossa autonomia intelectual?

Não sei se você conhece os orixás do candomblé, mas a escrita para mim é como Exu, que é o orixá que abre caminhos. Uma caneta e um papel abrem o cérebro. Não conheço muito, mas sei que as primeiras palavras da Bíblia são “no início era o verbo”. A energia mais forte que conheço, como o amor, é o verbo, a escrita. E saber escrever é saber fazer nascer emoções com as palavras. Sobre as coisas do dia a dia mesmo, que são as mais interessantes do mundo. Já fiz coisas muito sérias, palestras na frente de 400 pessoas, entre professores e intelectuais, mas o que me interessa é falar do povo e para o povo. Para essas pessoas, você não falará nada de novo.

Foi essa conexão com o povo que te trouxe ao Brasil há mais de 30 anos, por meio da música, depois de uma entrevista com Baden Powell, quando você era um iniciante no jornalismo, não é mesmo?

Sim, ele me falou muita coisa. Era uma entrevista para durar uma hora e passamos um dia inteiro juntos. Ele me falou sobre as raízes da Bossa Nova e que todas as músicas brasileiras são africanas, pois têm a pulsação negra de base, é o que dá o ritmo. Essa é uma certeza. Para mim, a humanidade nasceu na África. E as raízes da Bossa Nova, ritmicamente são africanas.

RAIZ NEGRA DA BOSSA É IGNORADA

Muitas referências sobre você na internet o descrevem como um apaixonado pelo nosso país. De onde vem essa paixão?

Para falar sério, eu nem sei por que o Brasil. Mas tenho uma história. Morava numa cidade pequena no sul da França, Aix-en-Provence, onde ninguém sabia nada do Brasil. Até que descobri um dos discos mais vendidos do mundo, de Bossa Nova, de Stan Getz e João Gilberto [o álbum “Getz/Gilberto”, lançado em 1963]. E desde então comecei a pesquisar tudo sobre isso. O que sou hoje é graças ao Brasil. Eu fiz um skype com meu editor brasileiro e quero contar que vou lançar em maio do ano que vem o meu próximo livro, “Bossa Nova - A Grande Aventura do Brasil”, e quero que o lançamento aqui seja primeiro em Belém. Ele não entendeu. Belém tem essa energia bem particular, sinto como uma Bossa Nova amazônica. Depois farei o lançamento no Rio de Janeiro e em São Paulo.

E por que mais um título sobre a Bossa Nova?

Tento fazer uma pintura da Bossa Nova que não seja de paraíso, mas de como era esse movimento nos anos 1950. E digo: era racista e esqueceu de artistas mulheres, aquelas livres e feministas, dos gays, e da herança indígena e negra na sonoridade. São assuntos que a sociedade brasileira não tinha coragem de falar àquela época. A Bossa nasceu em 1958 com “Chega de Saudade”, de João Gilberto, e em 1959 uma mulher, a Norma Bengell, gravou um disco de bossa, com músicas de Tom Jobim e João Gilberto. Mas ela era feminista e gostava tanto de homens quanto de mulheres, fez abortos e foi torturada. E hoje, quando se fala sobre isso, ninguém fala mais dela. Johnny Alf também. Você sabe quem é? Baden Powell dizia que ele era genial. O próprio Baden Powell era mestiço e veio de um bairro pobre. O Brasil tem uma história rica e os brasileiros não sabem, pois tudo que é escrito é feito por brancos e para uma elite. Quando as pessoas não sabem sobre suas raízes, não sabem quem são, não sabem quem vão ser.

Essa abordagem é um pouco polêmica, o Brasil é um país racista, ainda não venceu essa marca da colonização...

Sim, concordo. E veio agora porque quando você é enamorado de algo, como eu pela Bossa Nova, só é possível escrever como uma carta de amor. Fiz isso no meu primeiro livro. Mas já conheço essa história há 30 anos e agora conheço melhor a mentalidade brasileira. E, como namorados, no início é aquela paixão. Depois você conhece o amor e ama com defeitos e qualidades. Eu gosto do Brasil mais do que tudo, tenho que dizer essa verdade. Acho que livro trará essa polêmica, mas vamos ver. Eu já fui proibido de ir aos Estados Unidos quando lancei “Nos Ombros do Condor” [romance ambientado no Rio de Janeiro dos anos 1960 que tem como pano de fundo a Operação Condor, que aliou a CIA - sigla de Central Intelligence Agency, a agência de inteligência dos EUA - aos regimes militares na América do Sul, para impedir o avanço de movimentos democráticos]. É uma democracia bem estranha. Tudo depende. Mas quando falo com o povo posso dizer tudo que quero. E os artistas e intelectuais brasileiros, assim como a alta classe, foram colonizados pelos Estados Unidos, eles não gostam quando falo dos negros.

O que mais o livro traz de diferente sobre a Bossa Nova, um movimento intensamente estudado aqui e no mundo inteiro?

Sou orgulhoso de ter conhecido o Brasil e esse livro é resultado dos mais de 30 anos de entrevistas com artistas, entre vivos e mortos. Tenho parte da memória musical brasileira, com depoimentos de Nara Leão, a grande musa da Bossa Nova, do próprio Baden Powell, que se tornou um grande amigo meu, de Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, do poeta Affonso Romano de Sant’Anna. Isso não me pertence. É do povo brasileiro. No livro também demonstro, tento explicar com provas, a influência dos Estados Unidos e da CIA na democracia brasileira. Desde então, a cultura brasileira passou a ser fortemente influenciada pelos produtos culturais americanos.

NA ESTANTE

Obras de Jean-Paul Delfino

- Brasil Bossa Nova - 1988
- Brasil: A Música - 1998
- Corcovado - 2004
- Samba Triste - 2007
- Pour L’Amour De Rio - 2012
- Saudade – 2014 (em francês)
- Couleurs Brasil - Petites et Grandes Histoires de la Musique Brésilienne - 2014 (em francês, onde o autor analisa e contextualiza 40 canções brasileiras, passando de Tico-Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, até “Ai, Se Eu Te Pego”, de Michel Teló).

(Dominik Giusti/Diário do Pará)

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