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Novo romance de Marcelo Rubens Paiva faz sátira de uma humanidade perdida na obsessão

Deve-se aos macacos do zoológico de Americana, no interior de São Paulo, a existência do novo livro de Marcelo Rubens Paiva, “O Orangotango Marxista”, que a Alfaguara acaba de lançar. Foram eles que inspiraram o escritor, jornalista e dramaturgo a escreve

Deve-se aos macacos do zoológico de Americana, no interior de São Paulo, a existência do novo livro de Marcelo Rubens Paiva, “O Orangotango Marxista”, que a Alfaguara acaba de lançar. Foram eles que inspiraram o escritor, jornalista e dramaturgo a escrever uma história de amor sob a perspectiva da espécie considerada a mais inteligente entre os símios.

No livro, um orangotango de Bornéu, objeto de pesquisa em um laboratório da cidade de interior, aprende a linguagem de sinais e, depois, secretamente, começa a ler os grandes filósofos, entre os quais se destacam Marx e seus seguidores. Após um incidente, ele acaba indo para o zoológico da cidade, onde entra em contato com outros de sua espécie e redescobre a natureza. E, inquieto, trama a revolução.

Autor de obras de cunho autobiográfico, como “Feliz Ano Velho” (1981), sobre o acidente que o deixou tetraplégico, e “Ainda Estou Aqui” (2015), em que expõe um delicado acerto de contas com sua mãe, Rubens Paiva explica, nesta entrevista, por que se debruçou sobre determinados temas no novo romance, como a influência da internet no comportamento social e a retomada de fôlego de uma direita violenta.

Qual a gênese de “O Orangotango Marxista”, de onde tirou essa ideia de um orangotango que aprende a ler com os clássicos da filosofia e se apaixona pela bióloga que cuida dele?
O meu sogro mora na frente de um zoológico em Americana, uma cidade de clima temperado no interior de São Paulo, como descrevo no livro. Como não tem muita coisa para fazer, quando ia para lá eu ficava passeando pelo zoológico. Tem muitos macacos, que ficam numas ilhotas. Eu percebia que eles ficavam observando a gente mais do que a gente a eles. Nós estamos sempre ocupados com as redes sociais, passeando com os filhos ou comendo. Esses macacos viram a humanidade se viciar em redes sociais. Antigamente, a humanidade era mais ligada à natureza e agora ninguém mais dá bola. Então, pensei: “O que esses macacos devem pensar da gente?”.

É onde entra o orangotango?
Por isso, pensei em transformar o narrador em um orangotango que observa a humanidade. É uma visão satírica da sociedade, da humanidade. Como nós deixamos de ser, há dez mil anos, habitantes da África e passamos a ser esses seres obcecados pelo mundo virtual.

O escritor israelense Amos Oz diz que, com as redes sociais, as pessoas passaram a exigir respostas simples para questões complexas. Passa um pouco por aí?
Um primo meu, que é biólogo e que me ajudou a fazer este livro, diz que as redes sociais fazem as pessoas se comportarem como se estivessem em um cardume. Quando um deles vai pra um lado, todo mundo vai pra mesma direção; se outro muda o lado, os outros também mudam. Quando vem o inimigo, fica todo mundo em estado de alerta. As pessoas estão tão conectadas, tão informadas, tão unidas, que a individualidade se desfez. Ou é uma coisa, ou é outra. De repente, todo mundo pensa a mesma coisa muito rápido.

Você acha que a retomada de um discurso forte da direita nos dias de hoje tem a ver com isso?
A direita sempre existiu. O regime militar, que hoje assumimos ter sido uma ditadura militar, foi também uma ditadura civil, com participação de membros da sociedade de direita. Ela sempre esteve presente, seja no governo do Getúlio Vargas, seja no do Juscelino Kubitscheck. Não me espanta a existência dela. O que espanta é que é uma direita muito agressiva, que mistura homofobia, racismo, e xenofobia, e que propaga que a ditadura foi um grande bem para o país. Quem viveu aquilo sabe que foi um desastre, tanto socialmente quanto economicamente. Deve ter uma direita, deve ter pensamento liberal, deve ter pensamento de Estado livre, deve ter uma oposição ao socialismo. Mas não carregado de tanto ódio.

Foi por isso, também, que transformou o orangotango em um marxista?
Falam tão mal de Marx... Ele era um historiador, um baita filósofo, criador de uma teoria econômica que é útil até hoje para todos nós. Errou em alguns prognósticos, é verdade, mas não é por isso que temos de jogar fora toda a teoria dele. Não existe nenhum outro filósofo que tenha influenciado um Estado, como ele. Na União Soviética, eles tinham Marx, Lênin e Hegel. Para o bem e para o mal. A social democracia na Europa é baseada nas ideias dele. O welfare state inglês, também.

Por que adotou uma linguagem intelectualizada? Por que livros de filosofia?
Na verdade, o meu orangotango aprende a ler os grandes clássicos da filosofia. Os orangotangos têm uma memória prodigiosa. Se fosse fazer um livro sobre macacos, teria que ser o orangotango porque é um animal contemplativo e é o mais inteligente da espécie - excetuando o Homem, obviamente. O que ele lê? Ele lê livros de uma universidade, daquela coleção “Os Pensadores”. Adquire uma cultura, é um orangotango culto. Tanto que, quando vai para o zoológico, passa a roubar livros do público e acha tudo superficial. Ele tinha que ter esse discurso “cult”.

Para além de Marx e seus seguidores quais foram suas principais referências literárias?
Alguns livros que me serviram de inspiração, principalmente os que têm narradores incomuns. Um deles foi o do Ian McEwan, “Enclausurado”, narrado por um feto na barriga da mãe. O do Kakfa, “A Metamorfose”, narrado por um homem que se transformou em uma barata, e do Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que é narrado por um defunto. Quando eu tive essa ideia dos macacos de Americana, a ideia era fazer uma história de amor.

Uma dessas questões diz respeito ao que nos faz humanos. A humanidade, afinal, tem futuro?
Acho que não. Eu nasci em 1959, a minha geração foi a primeira a descobrir que estamos à beira do apocalipse. Que descobriu a camada de ozônio, o aquecimento global, o plástico nos mares, o efeito estufa. A minha vida toda foi baseada no apocalipse, que é uma ameaça bíblica. Se pensar em meteoro, era glacial, mudança de eixo, não para de ter informações pouco otimistas sobre o nosso futuro. A questão não é se vai haver apocalipse, a questão é quando ele vai chegar.

(Alessandro Giannini - Agência O Globo/RJ

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