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Grife se inspira no Norte e levanta debate sobre representação e apropriação

Com o nome “O Coração É O Norte”, a marca carioca Farm apresentou, na última semana, com festa em Belém, a sua nova coleção de inverno, na qual faz um mergulho pela fauna e flora da Amazônia brasileira. As estampas e modelagens fazem um passeio que vai de

Com o nome “O Coração É O Norte”, a marca carioca Farm apresentou, na última semana, com festa em Belém, a sua nova coleção de inverno, na qual faz um mergulho pela fauna e flora da Amazônia brasileira. As estampas e modelagens fazem um passeio que vai de Belém à vila de Alter do Chão, em Santarém, pelo Rio Amazonas, até chegar ao Rio Gregório, no Acre, passando antes pelo Rio Tapajós.

Dentro desta coleção maior, a grife traz minicoleções, como a “Menina do Rio”, que mistura a menina do Rio de Janeiro com a menina dos rios amazônicos. Também traz parcerias com criadores da região, como as paraenses Fernanda Martins e Sâmia Batista, da Mapinguari Design, a partir do projeto “Letras que Flutuam”, que difunde o saber dos abridores de letras, artistas que ilustram embarcações na região, e serviram de inspiração para algumas peças, além de gerarem conteúdo exclusivo no hotsite da marca, com um link para as pessoas baixarem o alfabeto com a arte dos abridores de letras.

Mas as inspirações da coleção e o vídeo criado para lançar “O Coração é o Norte”, que poderiam ser vistos por uns como uma janela de divulgação da cultura nortista, não caíram tão bem para alguns artistas e formadores de opinião locais, que lançaram mais uma vez o nome da empresa nos debates em rede social, dias depois do impasse sobre a semelhança entre peças da coleção de carnaval da marca e uma criação da estilista Sandra Machado (veja matéria na página 2). Entre as longas postagens, estava a da cantora Sammliz, que questionou se havia modelos paraenses no vídeo de lançamento e o uso de trilha sonora “que não é com música paraense ou da região”.

Para a jornalista Dani Franco, que fez uma reflexão sobre o assunto em sua rede social, é preciso discutir apropriação cultural. “Ainda precisamos estudar muito bem sobre apropriação para não deixar que o mercado simplesmente engula a cultura como objeto de venda. Nós sabemos que isso já vem sendo feito e que não vai parar, mas acredito que nos caiba sempre o direito ao questionamento, e não é por um simplismo purista de dizer que ‘é meu e ninguém tasca’ porque eu sou nortista, amazônida e etc. É uma questão maior, de entendimento de representatividade, cultura, marketing, venda e tudo mais que isso engloba”, ponderou.

A designer Sâmia Batista contou ter alertado a equipe de produção do vídeo. “As grandes marcas vem, não tem jeito, são maiores que nós, por isso ‘nos metemos no meio’, fazendo essa mediação. Redução de danos, mais ou menos isso... A música foi a primeira coisa que dissemos à equipe: ih, não vai dar certo...mas não temos esse poder de decisão...”, comentou em uma postagem. Mas completou que, apesar de se preocupar com o impacto de grandes empresas junto a pequenas comunidades, “o buraco é mais embaixo”. “A ‘Comunidade do Céu’, no Pesqueiro, está em festa, só o vídeo já vai levar mais turistas para lá. Não podemos ser puristas e achar que temos como proteger as comunidades, e nem temos esse direito”, destacou a designer.

“Eu achei o vídeo lindo, mas senti um estranhamento quando vi. Para mim, as referências são muito mais Nordeste do que Norte: música,dança e algumas estampas. Fiquei confusa”, destacou a designer Josi Mendes.

A publicitária Luiza Chedieck também comentou: “Me é tão dolorida a necessidade do Sudeste nos retratar para termos a nossa existência legitimada. No vídeo somos exóticos. Na prática, quando a gente chega no eixo deles, temos a nossa competência posta em cheque, pois, afinal, somos do norte. (...) Eles engolem nossas referências e vendem pra nós mesmos, a alto preço. O produto não chega no cenário. Somos só um cenário?”, questiona.

DO NORTE PARA REPRESENTAR O BRASIL

Um apanhado de muitas inspirações e culturas compõe o fluxo criativo para a coleção “O Coração é o Norte”, segundo informações da própria Farm. Na minicoleção “Amazonas”, o estilo boho mistura referências étnicas e ciganas, com tons escuros e claros. O trabalho artesanal das mulheres da tribo Yawanawa inspirou “Rauti”, uma minicoleção de acessórios. Já a energia das festas de aparelhagem do Pará se faz presente na minicoleção “Sereia Elétrica”, que tem como modelos Keila Gentil e Marcos Maderito, da Gang do Eletro, em roupas com acabamentos metalizados, transparências e sobreposições. “A minicoleção Sereia Elétrica mistura as aparelhagens com o carnaval de rua que a gente ama! Estou apaixonada por essa coleção e ainda mais orgulhosa de ser brasileira e de viver em um país com tanta riqueza. A vontade é falar disso todos os dias!”, conta Katia Barros, diretora criativa da Farm.

Mas a marca frisa a diferença entre “se inspirar” e ter a pretensão de representar. “Esta coleção se inspira no Norte para representar o Brasil. Brasil que é de todos nós. Do Norte ao Sul, de Leste a Oeste”, destaca Taciane Abreu, head de marketing da empresa. A música do videoclipe é “Na Mata”, do grupo Barbatuques (grupo de percussão criado pelo paulistano Fernando Barba), que segundo ela, “foi escolhida também pela mensagem positiva de valorização da biodiversidade brasileira, mensagem esta que sentimos que o Norte pulsa forte para todo o Brasil”.

Peça da coleção que teve fotos e vídeos no Pará (Foto: divulgação)

A Farm também destaca que é uma marca carioca, com sua própria identidade. “A inspiração no Norte vem costurada com quem a gente é, com a nossa essência, com a diversidade que existe dentro da marca. Aqui somos cariocas, paulistanos, mineiros, pernambucanos, gaúchos, capixabas, mato-grossenses, paraenses, amazonenses...”.

Taciana Abreu também afirma que a Farm ficou surpresa por Iza Moreira e Tayná Carvalho, modelos presentes na campanha, não serem reconhecidas em Belém. “Ambas são modelos paraenses. Isso diz muito sobre como estamos mais dispostos a criticar o que vem de fora, do que a somar olhares. Sobre a contribuição para a cultura e economias regionais, esta é a coleção da Farm com mais parcerias locais”, destaca, completando que a empresa também fez uma parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), para divulgar o movimento #MenosPreconceitoMaisÍndio, além de reverter 8% de royalties para a defesa e proteção dos povos indígenas.

“É com esta energia que esta coleção foi criada com muito carinho. Buscando pontes locais, buscando a valorização da cultura brasileira e buscando, acima de tudo, reverenciar o Norte do nosso país, que tanto tem a nos ensinar”, finaliza.

ACUSAÇÃO DE PLÁGIO VAI PARAR NA JUSTIÇA

Na última semana, a marca Farm se viu envolvida em uma acusação de plágio, depois que a estilista Sandra Machado, responsável pela criação de figurinos para diversos artistas paraenses, postou em suas redes sociais peça da coleção da marca para o Carnaval deste ano, ao lado dos trajes criados por ela para a banda Gang do Eletro. Batizadas por Sandra de “Catsuit”, as roupas foram feitas para a apresentação da banda no festival Sónar, em São Paulo, em 2012, e reeditadas para a abertura das Olimpíadas do Rio, em 2016. Sandra diz que as roupas foram copiadas e tiveram o nome mudado para “India Rainbow”. A repercussão da denúncia foi tratada em uma reportagem publicada no caderno Você do último dia 21.

Ao ver as roupas lado a lado, é impossível não notar a semelhança de cores e desenhos. Mas a grife carioca nega que tenha havido cópia nas peças - na verdade batizadas de “Kimono Elétrico” e “Body Rainbow”. “Utilizamos diversas inspirações para estas peças. O briefing foi ‘pintura corporal’. Entre as referências de inspiração estavam: Timbalada, pinturas corporais utilizadas em diferentes tradições e rituais brasileiros, a festa Full Moon (Tailândia e Búzios), Katy Perry e a Gang do Eletro”, explicou Taciana Abreu, head de marketing da Farm. O figurino da Gang usado como referência é o que foi criado por Sandra Machado.

Peça da estilista com padronagens que ela acusa a grife de copiar (Foto: reprodução)

A equipe da Farm afirma que incluiu a banda como referência por gostar do trabalho dela e que por isso a Gang também foi convidada para fazer parte do lookbook de lançamento da sua nova coleção de inverno, “O Coração é o Norte”. “Estamos sempre de olho nos movimentos culturais, musicais, comportamentais... Tudo nos inspira. O Brasil nos inspira”, declara Taciana Abreu. Ela também destaca que as peças apontadas por Sandra Machado integram a coleção de carnaval, lançada no último dia 17, e não fazem parte de “O Coração é o Norte”, lançada na última semana.

Em seu posicionamento nas redes sociais, Sandra Machado chamou atenção em especial para o desenho que aparece na manga do figurino de Keila, vocalista da Gang, com traços em neon, nas cores rosa e amarelo. Na peça “Kimono Elétrico”, da Farm, parte da estampa recebe um desenho semelhante e nas mesmas cores, mas a empresa afirma que há diferença entre os dois. “Nosso processo criativo costura a essência Farm com inspirações que vêm de vários lados e a emoção subjetiva de cada criativo para chegar num resultado novo”.

A marca declara ter orgulho de seu processo criativo, que considera muito autêntico e autoral. “Foi ele que nos trouxe até aqui. De um estande numa feira alternativa, para uma marca sólida, presente no país inteiro através de lojas próprias e lojas multimarcas”, declara, em nota enviada à reportagem.

Ainda de acordo com a Farm, Sandra Machado foi procurada assim que fez sua postagem no Facebook, e após uma conversa de 40 minutos ao telefone sem um acordo final, o assunto está sendo tratado por meio da advogada da estilista. “Agora a questão está na esfera jurídica, onde provavelmente acontecerá uma análise mais profunda das peças em questão e se decidirá se houve cópia ou não. Uma coisa é certa: não houve má fé”, garante a head de marketing da Farm, que não negou que a empresa já esteve em uma situação semelhante, quando o designer de joias Willian Farias processou a marca sob acusação de plágio do colar “Trapézio 3D”. Segundo Taciana Abreu, este foi um erro interno. “Erros acontecem. Assumimos o erro e consertamos”, completa.

A estilista foi procurada pela reportagem do Você e confirmou ter entregado o caso à esfera jurídica, por isso disse preferir não se manifestar até o encerramento do caso, pelo desgaste que a situação tem lhe causado. Em outros comentários feitos em rede social e em uma entrevista ao vivo para o programa de rádio “Conexão Cultura”, Sandra declarou que seu modo de trabalho e de pensar moda é muito diferente daqueles praticados pela Farm e preferia não ter seu nome associado à marca. A estilista faz parte do slow fashion, uma corrente que defende um modelo de consumo mais ético e responsável, com roupas que não durem apenas uma época ou saiam caras ao ambiente e à economia das famílias.

A reportagem também procurou a cantora Keila Gentil, da Gang do Eletro, que disse que não falaria sobre o assunto.

(Diário do Pará)

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