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Autora canadense fala dos desafios de ensinar na infância cercada de telas

Os pais e professores com a tarefa de educar uma geração de nativos das redes sociais, tablets e smartphones podem até pensar que “as crianças de hoje não são como as de antigamente”, mas não é bem assim. O ser humano já nasce com a capacidade do fascínio

Os pais e professores com a tarefa de educar uma geração de nativos das redes sociais, tablets e smartphones podem até pensar que “as crianças de hoje não são como as de antigamente”, mas não é bem assim. O ser humano já nasce com a capacidade do fascínio e é assim que as telas conseguem distrair uma criança, mesmo sem ela compreender o que assiste. Mas esse interesse passivo, quando contínuo, gera uma mente pouco adaptada para a realidade, que é bem diferente dos programas de TV e dos pulos de página em página na internet. Gera o que a canadense Catherine L’Ecuyer, autora de Educar en el Asombro (no Brasil, “Educar na Curiosidade” , pela editora Fons Sapientiae), considera a crise da educação no mundo: a crise da falta de atenção.

Mãe de quatro filhos, Catherine colabora atualmente com o projeto “Mente Cérebro”, da universidade versidade de Navarra, alimenta o blog “Apego Assombro”, voltado para a educação infantil, e esteve no Brasil por ocasião do “3º Seminário Internacional de Educação Integral”, realizado dias 12 e 13 de dezembro, pela Fundação SM e Fundação Itaú Social, em São Paulo. Em todos esses ambientes, ela conta que a pergunta que mais responde é: “como fazer que meus filhos prestem atenção?”.

Para começar, ela esclarece que atenção prolongada não é o mesmo que fascinação. “A atenção é uma atitude de descobrimento e abertura frente à realidade, a criança é protagonista do seu aprendizado. Na fascinação, ela está acostumada a receber estímulos externos, torna-se passiva da informação”, distingue. No caso da Primeira Infância, do ponto de vista da neurociência, na qual os estudos e práticas de Catherine se baseiam, é preciso entender que a verdadeira atenção nasce do contato com a realidade. “De zero a seis anos, as crianças aprendem pelos sentidos, elas não têm capacidade de assistir a uma aula magistral. O que elas entendem é o que tocam, sentem, veem. Elas têm memória biográfica, memória dessa cara de desaprovação dos pais, do sorriso quando fazem algo”, explica. Por isso é tão importante, sobretudo com os pequenos, ter muita realidade em seu cotidiano. E isso não quer dizer que o virtual não seja uma forma de realidade.

“Essa é uma pegadinha”, diz Catherine, que prefere contar com uma ajuda do filósofo grego Platão para que crianças e pais consigam compreender a sutil diferença entre essas duas realidades. “Eu sei que Platão não estava pensando em internet quando escreveu a ‘Metáfora da Caverna’ há 300 anos (risos), mas ela cabe muito bem aqui”, brinca. Nesta metáfora, em uma caverna há pessoas sentadas assistindo a sombras na parede, que vêm de objetos atrás delas projetadas com ajuda do fogo. “A sombra é real? Sim, elas estão lá. Mas elas são o reflexo da realidade. A realidade pura está nos objeto atrás dos espectadores. Assim é o mundo virtual, um reflexo da realidade e fisicamente presente, mas em tablets e smartphones”, resume.

EXERCITAR A PACIÊNCIA É UM CAMINHO

Existem estudos atuais de neuropediatras que falam em “deficit de realidade”, envolvendo crianças de menos de cinco anos de idade e até menos de três anos. “Nessa fase, elas precisam tocar a realidade para compreendê-la. Em uma tela isso não é possível”, reforçaa autora Catherine L’Ecuyer. Bombardeadas com atividades extracurriculares, conteúdo audiovisual intenso, jogos em tablet e aplicativos, esses estudos têm mostrado é que o efeito da tela é a passividade e a exigência de um nível frenético de estímulos. “Se estamos acostumados a muito ruído, quando toca uma música tranquila às vezes a gente nem ouve”, compara.

Há ainda baixa empatia, hiperatividade, impulsividade. “A realidade é importante, porque requer atenção, esforço, paciência. As crianças estão pouco adaptadas à realidade porque estão acostumadas a conteúdos audiovisuais cada vez mais rápidos”, completa. Estudos dos anos 1990, que se baseavam na presença constante da TV no cotidiano das crianças, descobriram que havia uma média de sete mudanças abruptas de imagens em séries infantis e Catherine conta que, vendo alguns filmes atuais, contabilizou 30 mudanças abruptas de imagem no filme “Os Smurfs”.

Catherine L'Ecuyer durante seminário de educação integral em São Paulo. (Foto: Sérgio Carvalho/Diário do Pará)

A solução seria voltar a atividades que requerem paciência, como uma plantação, cuja alface demora em crescer, a busca de insetos e até ações mais simples como amarrar o cadarço. “Não sei no Brasil, mas na Espanha – onde moro atualmente – as crianças só vão para a escola com tênis de velcro porque não têm tempo de amarrar o cadarço”, conta. A recomendação de instituições pediátricas é que não haja uso de telas antes dos dois anos e que depois, seja feito com o acompanhamento dos pais.

Catherine completa a recomendação com outras três observações: que esse consumo não seja passivo, que ele se adeque à faixa etária da criança e faça sentido para ela. “Eu cito o caso de uma professora que convidou os alunos a fazer um desenho para os pais. Uma das alunas não queria desenhar e ela lembrou que os pais dela eram cegos. A professora, então, propôs que a menina desenhasse e que ela faria furinhos por cima dos traços para que os pais pudessem sentir. Ela se animou e começou a fazer um desenho cheio de traços porque de repente a atividade tinha sentido para ela”, conta.

Catherine destaca que essa é uma geração em que há muita informação, mas falta contexto. E é o contexto que dá sentido à informação. “Mostrar às crianças esse contexto é o que os pais podem fazer pela educação delas”, ensina. Para isso, algumas ferramentas como jogos estruturados também podem ajudar. “Eles são um meio para alcançar autocontrole, capacidade de inibição, planejamento, capacidade de dizer ‘não só obedeço a ordens, mas também assumo responsabilidades e planejo como vou fazer’, desenvolve memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. As crianças não mudaram. É o contexto no qual elas estão que mudou, porque moram em um mundo com mais telas que janelas”.

NEUROMITOS: OS VERDADEIROS VILÕES DA EDUCAÇÃO

Para Catherine, os “neuro-mitos” são os grandes inimigos da educação. “Eles são o mito na neurociência, uma má interpretação da literatura da neurociência, levada para o contexto da educação”, explica. Entre esses mitos, aquele que afirma que as crianças precisam de um ambiente enriquecido e cheio de estímulos para se desenvolver mais.

“Nós estamos longe do paradigma que vê a criança como protagonista de sua educação quando você quer bombardear ela de estímulos”, afirma a especialista.

Esses neuromitos teriam ganhado tanto êxito por dois motivos: o fato de sua divulgação ser muito rápida por meio da internet e porque a indústria tem muitos produtos baseados nesses mitos. O neurobiólogo Dan Siegel é bem claro ao afirmar que “não há necessidade de bombardear bebês com estimulação sensorial excessiva. A superprodução de conexões sinápticas nessa fase é suficiente por si só para o cérebro se desenvolver normalmente. A interação colaborativa – isso sim é a chave para o desenvolvimento saudável”.

Outro mito é o da capacidade multitarefa. Estudos neurológicos mostram que não há exceção, não tem como fazer duas coisas ao mesmo tempo. “Se estou dirigindo, falando com minha filha e maquiando, o que estou fazendo é oscilar entre uma atividade e outra. Estou mudando do foco ‘a’ até o ‘b’, tiro dele e vou pro ‘c’, não faço em paralelo”, explica Catherine. Um estudo da Universidade de Stanford comparou um grupo multitarefa e outro que utiliza tecnologia, mas não dessa forma.

“Eles mostraram que se faço ‘a’, ainda tenho ‘b’ na memória de trabalho o que leva a perda de tempo e de eficácia. No caso da aprendizagem, perde-se informação, pois estamos com um caminhão de informação em segundo plano. E ainda piora a capacidade de escolher um critério de relevância”, destaca Catherine. Os Estados Unidos chegaram a contabilizar o custo da multitarefa para o país: um total de 650 milhões de dólares por ano. “Por isso, estou convencida que a crise educacional é uma crise de atenção”, afirma.

E como ensinamos os filhos a dar atenção? Quando a criança vê algo diferente, primeiro olha para o adulto com ela, mede o interesse dele antes de voltar a olhar de novo para aquilo. “Elas triangulam entre nós e a realidade. Se olhamos pra algo com interesse, elas olham com interesse. Se não, ela desinteressa. Tem uma menina que disse para a mãe ‘quero que você me escute’ e a mãe ocupada disse ‘tá, estou escutando, pode falar’. E a criança diz ‘quero que escute com os olhos’. É bem isso, você também precisa ensinar a dar atenção dando atenção”, diz.

Assim, lidar com essa nova geração é uma questão de retorno à realidade e ao bom senso, de respeito pela natureza e pelos ritmos das crianças – uma forma de ensinar e educar acessíveis a qualquer pai, mãe ou professor.

(Laís Azevedo/Diário do Pará)

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