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Projeto paraense integra exposição que mostra a riqueza da arte que pouca gente vê

Opintor Raimundo Valdir Borges Filho, conhecido como Valdirzinho, natural de São Sebastião da Boa Vista, no Marajó, começou a pintar aos 15, ao ver um tio que registrava paisagens no município. São cenas ribeirinhas, a mata e o homem, as embarcações, as c

Opintor Raimundo Valdir Borges Filho, conhecido como Valdirzinho, natural de São Sebastião da Boa Vista, no Marajó, começou a pintar aos 15, ao ver um tio que registrava paisagens no município. São cenas ribeirinhas, a mata e o homem, as embarcações, as casas e os animais. Aos 49 anos, ele diz ter orgulho do que faz e lamenta que a tradição já não seja tão atrativa para os jovens do município. Mas faz o possível para disseminar sua arte.

Ele é um dos artistas que participam do projeto “Letras Q Flutuam”, e realiza em São Paulo uma mostra de suas obras na exposição “Narrativas do Invisível – Mostra Rumos 2015-2016”, aberta no último dia 30, com 12 projetos do país inteiro pinçados entre os 117 aprovados na edição mais recente do Rumos, edital promovido pelo Instituto Itaú Cultural. A exposição está em cartaz na sede do instituto, em São Paulo.

O “Letras Q Flutuam”, coordenado por Sâmia Batista e Fernanda Martins, da Mapinguari Design, realizou um mapeamento da gráfica popular em cidades do arquipélago marajoara e agora apresenta, além da exposição de trabalhos no “Narrativas do Invisível” (que tem ainda participação do pintor José Augusto Margalho Amorim, de Ponta de Pedras), o documentário “Marajó das Letras – Os Abridores de Letras da Amazônia Marajoara”, que retrata a expedição pelas cidades de origem dos pintores e ainda Salvaterra, Curralinho e Breves.

Valdirzinho, de São Sebastião da Boa Vista, no Marajó, exibe sua pintura de paisagem exposta em SP (Foto: André Seiti/Divulgação)

“Comecei a fazer réplicas de embarcações e, como havia necessidade de colocar o nome dos barcos do jeito que era, fui treinando e fazendo as letras, e depois essa brincadeira virou séria. Peguei o gosto pela profissão e hoje eu faço letras, pinto paisagem e já participei de alguns eventos fora do estado. ”, comenta Valdirzinho. “Está sendo uma experiência única, porque sair do Marajó e estar em um grande centro é motivo de satisfação e é muita alegria poder mostrar, para o povo de São Paulo, o que a gente faz no dia a dia.

Orgulhoso do seu ofício, ele tem ambições maiores, mesmo em um cenário de mudanças econômicas e de hábitos culturais. “Essa prática está sendo deixada, poucas pessoas ainda estão fazendo esse trabalho e quero incentivar que novas possam aprender. É uma arte que conta a nossa história. Sempre fui muito otimista e perseverante, então desde pequeno eu sei muito bem onde e como quero chegar, e muita das vezes você fica desestimulado, mas ao mesmo tempo o gosto e prazer de fazer arte faz com que a gente acredite. O artista é um eterno sonhador. Sempre sonho. Meu objetivo é mostrar nosso trabalho na Europa e estou correndo atrás disso”, projeta.

A designer Sâmia Batista diz que na capital paulista várias pessoas que trabalham com tipografia estão interessadas em saber mais sobre o “Letras Q Flutuam”. A partir de agora, a ideia é tornar o projeto cada vez mais abrangente e sair do Pará. “Essas letras e paisagens são características cenográficas contemporâneas e aqui em São Paulo as pessoas veem eles pintando à mão e ficam impressionadas. Este é praticamente um projeto permanente para a gente, que sempre pesquisa esses artistas que fazem letras na Amazônia. Vamos tentar mapear outros polos, como a Região do Salgado e Santarém. Mas já recebemos convite para ir até Manaus”, diz.

Projeto “Marambiré” salvaguarda a memória da comunidade quilombola do Pacoval, em Alenquer (Foto: Divulgação)

Marambiré e realidade trans em foco

Também empenhado em resgatar as memórias de tradições artísticas da Amazônia, o cineasta André dos Santos, da Lamparina Filmes, está em fase de finalização do documentário “Marambiré”, outro contemplado no Rumos Itaú Cultural 2015-2016 para o registro dessa manifestação popular, uma dança de origem africana propagada pelos escravos e com influências do catolicismo, na comunidade do Pacoval, em Alenquer, no oeste do Pará. Mas a ideia se expandiu e o filme, pensado para ter 52 minutos, ficará com cerca de 80, já que chegando a campo a equipe descobriu que outras atividades ainda eram preservadas no quilombo.

O filme, feito sob os preceitos do cinema etnográfico, ou cinéma-vérité, criado pelo francês Jean Rouch e que pretende interferir o mínimo possível no que está sendo documentado, também aborda as esmolações de Santa Luzia, a luta pela terra e a conquista da demarcação como área quilombola, e o preparo de uma espécie de soro antiofídico próprio da comunidade. O enredo tem início com depoimentos dos mestres populares do Marambiré, que perpetua as memórias africanas na região amazônica e enfatiza como essa dança se tornou símbolo da identidade da população quilombola do Baixo Amazonas. “Essa referência do cinema verdade é fundamental. É lógico que sempre que ligamos a câmera na frente do depoente não é a mesma coisa. Então, buscamos captar imagens deixando eles o mais a vontade possível. Conheci a comunidade há muito tempo e, quando escrevi o projeto, comuniquei e mantive diálogo com a associação, fomos nos afinando. Isso foi fundamental para realizar o documentário. Considero importante fazer esses registros, por questões de salvaguarda e memória”, explica o diretor.

André dos Santos é ele mesmo remanescente de quilombo, nascido na comunidade Boa Vista - a primeira comunidade de descendentes de escravos a receber o título coletivo e definitivo de suas terras no Pará, em 1995. Por isso também seu interesse em ir até o outro lado do estado para filmar o Marambiré, no qual se representa uma corte real, com rei e rainha de congo, rainhas auxiliares, duas filas com valsares e um contramestre, tudo em louvor a São Benedito. As letras dos cantares misturam português com palavras africanas, das quais muitas vezes os brincantes desconhecem o significado. “Conheci essa manifestação na infância, em um encontro em que um cordão se apresentou. Desde então, essa imagem ficou na minha cabeça e quando vi o edital do Rumos surgiu a ideia de inscrever um projeto sobre essa cultura, pouco conhecida até mesmo no Pará”, diz.

Filmagens em plena região da Transamazônica

Ainda entre os contemplados do Pará no edital 2015-2016, a equipe da Muamba Filmes já está na estrada desde o final de agosto fazendo as gravações do documentário “Transamazona”. Serão 45 dias entre Marabá, no sudeste do estado, até Lábrea, no Amazonas, passando ainda pelos municípios paraenses de Altamira e Itaituba, além de Humaitá, no Amazonas. Em Marabá, eles realizaram a oficina de Linguagem e Comunicação Audiovisual LGBT, com a ativista Renata Taylor, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e Presidenta do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (GRETTA) e com apoio da produtora Letícia Werneck no Galpão de Artes da Unifesspa, com exposições orais, debates, exibição de conteúdos em vídeo e exercícios de filmagem/montagem junto aos participantes.

“Além de uma forma de encontrá-las e de que elas produzam conteúdos de vídeo autorrepresentativos para o filme, é uma contrapartida estrutural do documentário para a população que buscamos representar, para que essas pessoas possam utilizar desses conhecimentos para construção de suas próprias narrativas. O doc vai ter em média 90 minutos e será uma costura de vozes trans que vivem na região da Transamazônica. Estamos buscando e encontrando a maior pluralidade possível dentro desse espaço: mulheres trans indígenas, do MST, militantes, evangélicas, mais velhas e mais novas... Essas vozes nos trarão relatos a respeito desse território e as transformações que têm sofrido nas últimas décadas”, antecipa Débora MacDowell, diretora e produtora executiva do projeto.

A escolha das cidades foi realizada a partir do impacto social e cultural que a abertura das estradas causou, por isso o ponto de partida é no município onde a BR-163 tem início e termina onde supostamente a estrada chega ao fim. A ideia é “ter em mente essa Amazônia que foi rasgada pela Transamazônica e que desde sempre é alvo dos grandes projetos do governo”. “Além de vozes, essas pessoas também produzirão imagens, seja na câmera de vídeo ou em dispositivos portáteis que farão parte do filme e aí a cronologia do filme ir de Marabá a Lábrea, última cidade da rodovia - que deveria ir até o Acre no projeto original, mas até hoje está inacabada”, finaliza Débora.

Membros da organização do Rumos apresentaram as novidades desta edição: Aninha de Fátima Sousa, gerente de Comunicação do Itaú Cultural; Rui Moreira, da comissão de seleção; Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural; e Karla Martins, também da comissão (Foto: Agência Ophelia)

Edital completa 20 anos e disponibiliza R$ 15 milhões para edição 2017-2018

Estão abertas as inscrições para a edição 2017-2018 do Rumos Itaú Cultural, um dos primeiros editais públicos do Brasil e um dos poucos que continuam em atividade com um alto montante de recursos – R$ 15 milhões para este biênio, o mesmo valor da edição passada. O edital, que completa 20 anos como uma grande plataforma de fomento à produção artística e cultural, está a cada ano mais abrangente e, agora, acessível, com ferramentas que permitem a inclusão de pessoas portadoras de deficiência auditiva e cegas ou com baixa visão.

O Rumos Itaú Cultural nasceu segmentado, fazendo mapeamentos por linguagens artísticas e se tornando referência em áreas determinadas, como o Rumos Artes Visuais e o Rumos Dança. Desde 2013 o modelo foi modificado, eliminando as barreiras por segmento, permitindo a convergência de linguagens (o projeto “Letras que Flutuam”, por exemplo, é de cultura popular/artes visuais, e culmina com um documentário audiovisual) e nem obriga que o resultado se conclua em um produto acabado (há projetos aprovados de residência artística ou de financiamento de um estudo ou ainda processo de imersão criativa), com isso tornando-se atrativo não apenas a artistas e produtores culturais, mas a qualquer pessoa que tenha uma boa ideia a se desenvolver na área de arte e cultura.

Se por um lado estas “portas abertas” se tornam interessantes a leigos nas áreas de editais públicos – a projeção é de que 20 mil projetos se inscrevam nesta edição-, há quem se ressinta do espaço ter se tornado, por assim dizer, tão democrático. Mas Eduardo Saron, diretor do Instituto Itaú Cultural, diz que este modelo é um caminho sem volta, seguindo as novas configurações da arte contemporânea.

“Neste cenário de crise, percebemos que o país vive uma carência de editais como esse, que dialoga com a cena contemporânea de forma mais ampla. Deixamos de ser um edital por área para ser algo mais ampliado para questões novas. Assumimos a perspectiva de diversidade cultural porque, para nós, o belo é a diversidade”, diz Saron. “Ao final traçamos uma cartografia artística-cultural com suas muitas matizes que não poderiam ser atendidas por outros editais”, completa Karla Martins, da comissão de seleção.

Continua valendo também a não limitação de valores por projeto, uma vez que isso acaba se tornando um referencial (muitas vezes incompatível com o projeto proposto) e também porque uma das marcas do edital, que faz uma espécie de curadoria, é propor ao longo do processo de escolha (e, mesmo mais adiante, durante o desenvolvimento), adaptações orçamentárias. “Ao limitar o teto dos projetos percebíamos que os mais caros se apertavam para encaixar no orçamento, enquanto outros, de custo muito mais baixo, tentavam ao máximo alcançar o teto. Ao tirar esse referencial tornamos a coisa mais condizente com a realidade. E ainda assim nossa equipe entra em campo quando percebe que algum ajuste precisa ser feito para mais ou para menos”, destaca Saron.

“Essa parte do orçamento costuma ser a que dá mais aflição a quem não tem experiência com editais. E nós lembramos que o mais importante é detalhar bem o seu projeto. Uma vez ele aprovado, nós vamos ajustando os detalhes durante o processo, de forma conjunta”, completa Aninha de Fátima Sousa, gerente de Comunicação do Itaú Cultural. “O importante é as pessoas observarem se o projeto se encaixa nos três pilares que levamos em consideração durante a avaliação: singularidade, relevância e consistência”, frisa Karla.

Não são só as adaptações orçamentárias que podem ser feitas ao longo do processo. Ainda no período de inscrição, até o último minuto de envio o projeto pode vir sendo acrescido, reformatado, etc. A forma de inscrição, aliás, já é convidativa para quem não tem no currículo experiência em produções culturais: sai o formato clássico dividido em justificativa, objetivos, etc., e entra uma lista de perguntas que, no final das contas, contempla a mesma finalidade, mas induz a uma escrita bem mais intuitiva e fluida. Para tirar dúvidas, uma caravana com os organizadores do processo está prevista para passar por todas as capitais – incluindo Belém.

(Dominik Giusti e Esperança Bessa/Diário do Pará)

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